segunda-feira, 9 de maio de 2011

escolas públicas têm merenda estragada e ratos na cozinha; na PB comida vai para o lixo

O programa Fantástico, da Rede Globo, levou ao ar ontem à noite uma reportagem sobre a péssima qualidade da merenda em escolas públicas do país. Com um mês de investigações, a matéria incluiu uma passagem por João Pessoa, onde alguns problemas foram verificados.

Uma das empresas investigadas é a SP Alimentação. O dono, Eloizo Durães, chegou a ser preso ano passado, acusado de pagar propina a dois vereadores de Limeira, interior paulista. Entre as 13 cidades atendidas pela empresa, estão quatro capitais: São Paulo, Recife, São Luís e João Pessoa.

Recentemente, em 9 de fevereiro, a Promotoria de Defesa dos Direitos da Educação entrou na Justiça com uma ação civil pública apontando irregularidades na merenda de João Pessoa. São réus o prefeito Luciano Agra e a SP Alimentação.

O Fantástico foi a uma escola municipal de João Pessoa, com cerca de 800 alunos. A merenda do dia foi mungunzá, uma comida típica do nordeste, à base de milho e coco. Mas muitos alunos recusam o mungunzá da escola. Reclamam do gosto ruim. Parte da merenda vai para o lixo.

Em um documento de 2010, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação apontou que os cardápios das escolas de João Pessoa não atendiam às necessidades de calorias e de alguns nutrientes. E, de acordo com o Ministério Público, ex-nutricionistas da SP Alimentação eram obrigadas a transportar alimentos em seus carros particulares, gerando grave risco de contaminação.

O Fantástico foi a outra escola da capital da Paraíba, onde estudam cerca de 700 crianças. A equipe de reportagem acompanhou a entrega da carne. Sob sol forte, a uma temperatura de 31ºC, a carne é transportada em um veículo não refrigerado. A comida chega a ser colocada em cima do carro.

“Vem congelado”, justifica um funcionário.

Na escola, neste dia, as crianças comem macarrão com carne. Muitas crianças reclamam da qualidade da merenda. Parte dela vai para o lixo. A equipe do Fantástico ficou quatro dias em João Pessoa. Em todos, foi registrado o desperdício de comida. Em um colégio, segundo o diretor, a merenda jogada fora daria para alimentar mais de cem crianças

Em janeiro, o Ministério Público recomendou à prefeitura que o contrato com a SP Alimentação não fosse prorrogado. Mas isso não aconteceu. A Secretaria de Educação de João Pessoa disse que a contratação da empresa foi acompanhada pelo Tribunal de Contas da União e que está dentro da lei.

Alegou também que a maioria das crianças aceita bem os alimentos servidos. Também em nota, a SP Alimentação disse que obedece a todos os procedimentos legais e que 90% dos diretores das escolas de João Pessoa aprovam a merenda da empresa.

O Fantástico pediu à professora de ciências dos alimentos Gilma Sturion, da Universidade de São Paulo (USP), que analisasse dez cardápios de escolas visitadas pela equipe de reportagem do programa, inclusive das de João Pessoa.

“Têm baixo valor energético, é muito deficiente em frutas e hortaliças. Todos os municípios têm condições de fazer uma boa merenda, é só otimizar os recursos. Um prato com arroz, feijão, alface, beterraba, carne e chuchu refogado sairia por R$ 0,80. Se fosse frango, sairia por R$ 0,60”, diz a professora.

O Fantástico procurou o MEC. Em nome do ministério, falou o presidente do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, Daniel Silva Balaban.

“Aqueles maus gestores são processados administrativamente, e, se for o caso, criminalmente”, diz. Sobre a merenda terceirizada, ele afirma: “Nós não apoiamos a terceirização da merenda porque achamos que a merenda escolar deve ser realizada em cada município. Recurso do governo federal não pode ser utilizado para pagamento de terceirização”.

Das mais de 50 escolas que o Fantástico visitou, entre os vários flagrantes de descaso, foi encontrada uma situação que é um resumo do que acontece em muitos colégios públicos. Uma escola estadual que fica em Águas Lindas de Goiás tem quase 2,3 mil alunos e um apelido: Carandiru – referência ao famoso presídio paulista que já não existe mais.

“Os alunos brigavam muito, vinham armados. Daí, esse nome”, explica a diretora da escola, Maria Cleusa Ribeiro.

Na instituição, a merenda só sai, diz a diretora, por causa do esforço dos funcionários.

“Compramos fiado, porque o dinheiro nunca chega no início do mês para podermos comprar. Algumas crianças necessitam desse lanche mesmo. Elas vêm por causa da merenda”, diz a diretora.

A Secretaria de Educação de Goiás diz que vai tomar providências, inclusive na escola que tinha gatos na cozinha.

“Nós vamos mandar uma equipe para ver isso de perto. Se chega alguma denúncia aqui, no dia seguinte, tem uma equipe no local”, assegura Sonia Piero Bom, superintendente de gestão da Secretaria de Educação de Goiás.

Uma aposentada de Águas Lindas de Goiás cuida dos sete netos. A família vive com cerca de R$ 500 por mês.

“A gente não passa um dia sem comer. Só que não é coisa boa. Tem dia que eles dizem que não teve lanche e ficam com fome. Quando eles lancham lá, já ajuda”, conta a aposentada.

“Interfere na aprendizagem do aluno, no desenvolvimento da criança. Então, eu acho que teriam que priorizar. E isso se faz quando se quer”, conclui Gilma Sturion.


fonte globo.com